Sinopse
O livro conta a histórias de uma família de Camarões que se muda para os Estados Unidos em busca do sonho americano e começa uma relação de trabalho com uma família rica e cercada de luxo e aparências.
Primeiras Impressões
O livro começa na entrevista de emprego de Jende que está de candidatando para um vaga de motorista particular da família Edwards. Desde o começo sabemos o quanto esse trabalho vai ser importante para a família que vive ilegalmente nos Estados Unidos e durante toda a história conseguimos acompanhar os medos, dores e pequenas alegrias que atingem milhares de imigrantes que buscam fora de seus países de origem uma oportunidade de ter uma vida melhor.
Como uma imigrante que também deixou seu país, o livro me trouxe diversas reflexões acerca das expectativas que são criadas quando se deixa tudo pra trás pra recomeçar a vida do outro lado do mundo, longe da família, amigos, costumes e de como esse sonho pode se tornar cruel muito rapidamente. Enquanto a família Jonga luta para permanecer no país, vivendo no dia a dia a incerteza de não saber se conseguirão se legalizar, trabalhando arduamente, a história nos apresenta o contraste com a família Edwards, ricos, bem sucedidos e profundamente frustrados e infelizes com a vida.
Este livro fala muito sobre sonhos e frustrações. Não diria que é uma história arrebatadora, diria que é sútil, melancólica em alguns momentos e reconfortante em outros. Não é uma história óbvia, em muitos momentos fiquei surpresa sobre as escolhas de atitudes dos personagens e o desenrolar dos acontecimentos. Não é um livro de final feliz, nem triste, e acho que isso trouxe um aspecto muito realista para a história.
É uma história fácil de ser lida, muito legal para quem quer começar a conhecer autores africanos.
Análise com Spoilers
Link do livro aqui: Aqui estão os Sonhadores – Imbolo Mbue
Essa parte da resenha contém spoilers!
Quando Jende é contratado para ser motorista e passa a ter contato com a família Edwards, é inevitável as comparações entre as duas realidades. A família de Jende está maravilhada pela oportunidade de morar em Nova York, e a trama nos apresenta outros personagens, também imigrantes que ajudam na ambientação da história. Os personagens de destaque, Clark Edwards, o patrão executivo, sua esposa Cindy e os dois filhos do casal nos mostram uma típica família americana e rica, que dispõe de muitos privilégios, mas mesmo assim não é feliz. Cindy é uma mulher profundamente deprimida, mas que luta para aparentar o contrário, abusa de álcool de medicamentos e isso culmina num arco muito importante da história.
Neni, a esposa de Jende, é contratada para um trabalho temporário na casa de verão dos Clark, e assim se depara com Cindy desmaiada junto de uma garrafa de vinho e um frasco de remédios. Neni acaba tirando uma foto de Cindy nesse estado antes de ajuda-la, por segurança e medo de algo acontecer de mais grave. A princípio, Neni sente muita empatia por Cindy e existe uma relação de respeito mutuo entre as famílias. Isso muda quando Cindy desconfia do marido e ordena que Jende o espione sob ameaça da faze-lo ser demitido. Nesse momento Jende fica entre a cruz e a espada, decidindo por contar ao patrão sobre o pedido da esposa. Fica decidido que Jende vai contar a Cindy todos os passos do marido, exceto, as traições. Obviamente, isso não funciona, eventualmente Cindy descobre tudo e mesmo que Jende tenha feito a vontade de Clark, ele acaba demitido de qualquer forma.
Jende arruma outro emprego lavando pratos, ganhando muito menos que antes, enquanto Neni fica em casa com os filhos, um deles recém-nascido. Eles começam a questionar sobre o futuro nos Estados Unidos, já que Jende espera que seja aprovado seu asilo politico forjado, o que pode levar anos e muito dinheiro.
Nesse momento da história, tanto Neni quando Jende tomam atitudes que me surpreenderam, Jende, extremamente exausto e frustrado, chega a bater em Neni em uma ocasião, e Neni usa a foto de Cindy para chantageá-la a conseguir dinheiro sem contar ao marido. Pelo começo do livro, tinha certeza que se tratava de uma história sobre redenção, que tudo daria certo no final. Uma das passagens que mais me marcou, foi quando Neni pede uma indicação de bolsa para um mentor de escola onde estuda depois que Jende perde o emprego, para que ela consiga continuar buscando o objetivo de ser farmacêutica. Além de não conceder a bolsa, ele aconselha Neni que ela trace metas mais realistas, já que se tornar farmacêutica parece irreal quando ela nem consegue pagar a escola. Neni bate no peito e diz que será farmacêutica sim, mas adivinhe, ela não será. Assim como ela fala várias vezes que não vai voltar para Camarões, mas acaba voltando. No fim, a vida nos Estados Unidos se torna insustentável, e eles tem que se desligar daquele sonho que um dia acreditaram como todas forças.
É um final frustrante, assim como a vida muitas vezes é, e achei essa decisão da autora muito corajosa. Seria infinitamente mais fácil escrever uma história clássica de final feliz, onde todos duvidam dos sonhos do personagem, mas no fundo ele conquista tudo e esfrega na cara de todos que desacreditaram e inclusive acho que esse livro teria muito mais estrelas se terminasse assim, porem ele e inspirado na vida.
Ele me lembrou de todas as vezes que eu achei que alcançaria algo, lutei, nadei e no final morri na praia, juntei minhas migalhas de sensatez e desisti, porque nem todo os sonhos vão ser realizados e as vezes abrir mão também e um ato de coragem. Em outra parte do livro, o pai de Jende acaba falecendo, e esse é um retrato fiel de um dos piores pesadelos de qualquer imigrante, perder um familiar enquanto você esta do outro lado do mundo, sem a oportunidade de poder dizer adeus. É um livro delicado, bem escrito, mas reflete uma realidade nichada que talvez nem todo mundo entenda, mas não deixa de ser uma excelente obra e com certeza vale a pena a leitura.